A morte de Chintan – por Osho “Morte a Maior Ficção”

Aconteceu que um homem costumava ir até o místico Eknath por muitos anos. Ele era um devoto, mas havia dúvidas em sua mente que continuamente o beliscavam. E porque sempre havia muitos discípulos ele não conseguia perguntar. Assim, um dia ele foi muito cedo, antes do sol nascer. Eknath estava vindo do rio.

Ele tinha ido tomar um banho antes de sua meditação matinal no templo. Ele chegou até Eknath e disse, ‘Desculpe-me por perturbá-lo nesta hora, mas eu tenho carregado uma pergunta por toda minha vida.’

Ele era um jovem saudável e forte; ele disse, ‘Eu não consigo dissolver, isso continua. É uma perturbação entre eu e você.’ Eknath disse, ‘Qual é o problema?’

Ele disse, ‘O problema é que há muitos anos eu venho aqui para vê-lo, mas eu nunca o vi triste. Eu nunca o vi com raiva. Eu nunca o vi com inveja; eu nunca o vi em um estado negativo da mente. Você está sempre rindo, alegre e relaxado como se não tivesse nenhum problema ou preocupação no mundo. Você não se afeta nem mesmo com a morte. Você conduz isso tão facilmente.

E o problema é que uma dúvida surge em mim: você é um ator ou realmente é iluminado? Pode-se dar um jeito de representar um sorriso, de sempre se mostrar alegre, levar tudo facilmente e nunca seriamente. Isso é apenas uma disciplina? Você fez um treinamento para isso? Ou isso é algo que aconteceu a você – é um não-fazer seu, uma compreensão natural e espontânea que cresceu a partir de suas meditações?

Esse questionamento tem me preocupado, pois é possível um homem dar um jeito e fingir. Você vê os atores no cinema e sabe que eles são os mais miseráveis no mundo, mas no filme eles aparentam ser tão alegres, tão felizes, amorosos, cheios de paz, corajosos.

Se é possível fazer isso no cinema e no teatro, então por que não seria possível fazer na vida real? Você precisa apenas de um pequeno controle para não demonstrar seus verdadeiros sentimentos, mas continua representando sempre.’

Eknath disse, ‘Espere um minuto. Antes de responder a sua pergunta, eu não posso me esquecer de algo que eu queria lhe dizer.

Há três dias que eu venho me esquecendo, e isso é importante; assim, primeiro eu lhe direi tal coisa e depois eu responderei a sua perguntar. Há três ou quatro dias, aconteceu de eu olhar a sua mão e fiquei muito assustado.

O seu tempo de vida chegou ao fim, apenas uma pequena fração permanece, de modo que você ainda viverá no máximo sete dias. No sétimo dia, quando o sol estiver se pondo, você morrerá. Eu estava me esquecendo disso, que é tão importante quanto a sua pergunta. Agora nós podemos conversar sobre a sua pergunta.’

O homem se levantou e disse, ‘Eu não tenho pergunta alguma e não tenho tempo para conversa. Se a morte está chegando em sete dias, por que eu deveria me preocupar se você é verdadeiro ou não? Isso é assunto seu; não é um problema meu.’

O homem começou a descer as escadas. Havia muitas escadas no templo, e Eknath ficou observando. Apenas cinco minutos atrás ele chegou muito forte e jovial, agora ele se vai como um velho, cambaleando, apoiando-se no corrimão, onde nunca se apoiou antes, com medo de cair. E quando ele chegou em casa, foi direto para a cama, embora não fosse a hora, era de manhã e ele tinha acabado de se levantar. Ele reuniu toda a família e contou o que Eknath lhe disse.

Era inconcebível que Eknath mentisse; não havia sentido em mentir. Então só havia choro e lamento, e o homem parou de comer. Para que comer, agora que vai morrer?

Mas uma coisa estranha começou acontecer assim que ele se conformou com a idéia de que a morte estava chegando e que nada poderia ser feito. ‘Por que não usar esse tempo para a meditação, a qual eu tenho adiado por muitos anos? Eknath diz continuamente todos os dias para meditar, para colocar energia na descoberta de si mesmo, e eu tenho adiado isso, pois, para que ter pressa? Eu sou jovem e essas coisas, meditação e autoconhecimento pertencem às pessoas velhas que já não têm mais o que fazer.

De qualquer forma, eles pararam de trabalhar, se aposentaram. Esse é o tempo certo para meditar e descobrir quem você é. Neste exato momento você tem que descobrir muitas outras coisas – dinheiro, poder, prestígio, respeitabilidade. Este tempo não é para ser desperdiçado, descobrindo a si mesmo. Isso você poderá fazer a qualquer momento, quando já não tiver mais utilidade na vida, quando a vida rejeitá-lo com a aposentadoria. ‘

É estranho que em toda parte, quando as pessoas se aposentam, seus colegas se reúnem para lhes dizer um adeus e sempre lhes dão um relógio de bolso. Eu não posso acreditar nisso…

Qual é a idéia? Mas agora eu sei. Eles lhe dão um relógio de bolso ‘para lembrá-lo que não resta muito tempo, para lembrá-lo de fazer agora as coisas essenciais que você tem adiado.’

O homem deitou-se e, pela primeira vez, começou a observar a sua mente. Em dois ou três dias, ficou completamente silencioso. Todos os a familiares, parentes e amigos chegavam de longe. Eles ficaram ainda mais perturbados.

A morte estava chegando, isso já era um choque. Mas, o que estava acontecendo com esse homem? Ele não abria seus olhos; ele não comia; ele não tinha interesse por nada. Este deveria ser um tempo para ele se encontrar com a família, com os amigos, pois quem sabe quando você encontrará essas pessoas de novo? Não há muita chance.

Mas ele não estava interessado em coisa alguma. Ele nem mesmo lhes permitiu chamar um médico. Pelo quarto dia, eles não podiam acreditar como ele estava com a aparência tão bela, tão cheia de graça, tão silenciosa. Todo o seu quarto tinha quase a mesma qualidade que existia ao redor de um homem de silêncio ou que existe num templo vivo, onde existem não apenas estátuas, mas a presença de algum mestre vivo.

As pessoas vinham com discursos preparados, diálogos que é preciso dizer, pois é muito embaraçoso visitar um homem que está para morrer. O que lhe dizer? Você não pode conversar sobre filmes, não pode conversar sobre política, nem sobre futebol, ou luta de box. O que existe para se falar? É muito embaraçoso se alguém está morrendo e você tem que deixar acontecer. Prepara-se então um diálogo para consolar, ‘Não se preocupe, todo mundo morre. Isso não está acontecendo apenas com você. E depois existe Deus: você foi um homem virtuoso e o céu está totalmente garantido.’

Tem que se preparar diálogos como este porque agora os assuntos mundanos que as pessoas fofocam entre si não fazem sentido. Mas, na medida em que as pessoas entravam, nem mesmo esse diálogo era possível, pois o homem estava muito silencioso. No sétimo dia, ele abriu os olhos e perguntou à sua família, ‘Quanto tempo falta para o sol se pôr?’(…)

E as pessoas diziam, ‘O sol já está quase se pondo, faltam poucos minutos.’ E ele estava mostrando tanta graça, tanta alegria, tanta felicidade, que a família não podia acreditar na metamorfose que aconteceu nesses sete dias. Todos eles sabiam que ele era um homem comum. A esposa sabia, o pai sabia, o irmão sabia que ele nada tinha de especial, mas em sete dias ele foi muito além deles. 

Exatamente na hora em que o sol estava se pondo, todos começaram a chorar e se lamentar. E ele estava lhes dizendo, ‘Fiquem quietos. Não há nada com que se preocupar.’

Naquele momento, Eknath chegou. Toda a família tocou-lhe os pés e lhe disseram, ‘Salve-o Você pode fazer algo?’

Eknath disse, ‘Com a morte não existe possibilidade. Deixem-me vê-lo.’

Assim, todos eles, respeitosamente, se afastaram e deram passagem para o Eknath. O homem estava sentado silenciosamente com os olhos fechados, quase parecendo uma estátua de mármore do Gautama Buda… Apenas sete dias atrás ele era uma pessoa comum.

Eknath chamou-o pelo nome e disse: ‘eu vim vê-lo e para lhe contar que aquilo foi um dispositivo. Você não vai morrer. Você ainda tem uma vida muito longa. Você viverá quase o tanto que já viveu. Você viveu apenas metade da vida, existem muitos anos para você viver. Esta foi uma maneira de responder à sua pergunta.’

O homem disse, ‘Meu Deus, eu nunca iria pensar que isto tinha sido uma maneira de responder à minha pergunta.’

Eknath disse, ‘Não havia outro jeito. Qualquer coisa que eu tivesse respondido a você, as dúvidas iriam permanecer. Um homem que consegue, por anos, fingir que é feliz, também consegue mentir, dizendo que é iluminado. Eu queria lhe dar alguma experiência sobre isto, de que isso não era uma representação teatral. E esses sete dias lhe deram essa experiência. Você recebeu a resposta ou não?’

O homem pulou da cama e se levantou– por sete dias ele não havia deixado a cama – tocou os pés de Eknath e disse, ‘Sua compaixão é grande. Você mentiu apenas porque a sua compaixão é muito grande. Mas você respondeu à minha pergunta. Agora não existe dúvida alguma. E eu não consigo ver qualquer dúvida possível no futuro. Eu conheci o espaço no qual você tem vivido.’

Eknath disse, ‘Não interessa se você vai morrer daqui a sete dias ou daqui a setenta anos. Uma vez que você se torna consciente de que vai morrer, não interessa quando.’

A consciência da morte faz você viver a vida tão totalmente e tão alegremente quanto possível. A morte não é sua inimiga. Na verdade, ela é um convite para você viver intensamente, totalmente, para espremer e desfrutar toda gota do sumo de cada momento. A morte é um tremendo desafio e convite. Sem a morte não haveria nem Goutama Buda, nem Jesus, nem Lao Tzu, nem Tilopa. Não haveria nem Kabir, nem Raidas, nem Mansoor, nem Sarmad.

É a morte e a consciência dela que faz você viver tão totalmente, tão profundamente e tão conscientemente quanto possível. Antes que a morte bata em sua porta, você deveria ser capaz de ver a vida eterna dentro de si. Então não haveria morte alguma; a morte é uma ficção. Ela é uma realidade apenas para aqueles que não viveram, não viveram em sua completude, em sua inteireza.

Para aqueles que viveram, não existe morte.

É apenas uma mudança – apenas uma mudança de casa. (…)

O homem que conhece a si mesmo sabe que a morte é apenas uma mudança de casa. Aceitação não é a palavra certa, mas não existe outra palavra; essa é a dificuldade.

Eu diria, Chintan, desfrute!

Faça com que todos esses dias sejam uma celebração.

E se você puder fazer com que todos esses dias sejam uma celebração, irá descobrir que a morte é uma ficção. Esses dias de celebração, meditação, silêncio, alegria e amor irão criar em você a capacidade de morrer conscientemente. E aquele que morre conscientemente sabe que a morte nada mais é que uma mudança de casa. E é sempre para uma casa melhor, porque a vida sempre caminha para cima; ela é um processo evolutivo. (…)

Tudo que é, é belo. E pode ser mais belo – não há limite para a evolução. Particularmente para a consciência não há limite; ela pode ir além mesmo de Gautama Buda, além de Bodhidharma, além de todos as grandes pessoas despertas do passado, porque a consciência não tem limite. Ela é tão vasta quanto é o céu, quanto é o universo inteiro.

Chintan, aceite com alegria, com dança e canto.

Agora, uma pequena piada para que você não saia daqui com seriedade na face. Este templo acredita no riso e eu quero que todo mundo que vem aqui, quando se for, vá rindo. Mesmo no caminho, quando se lembrar, dê uma risadinha. De noite, no meio da noite, quando se lembrar – uma boa risada.

Uma boa risada é a maior das preces.

Um garotinho num piquenique afastou-se de sua família e percebeu de repente que estava perdido e a noite estava chegando. Após correr por todos os lados e gritar, num momento ele ficou muito amedrontado e ajoelhou-se para rezar com as mãos para o alto.

‘Querido Senhor,’ ele disse, ‘por favor ajude-me a encontrar minha mãe e meu pai e eu prometo que não vou mais bater em minha irmã.’

Exatamente naquele momento, um pássaro voava sobre sua cabeça e soltou uma titica justamente em suas mãos esticadas para o alto. O garoto examinou aquilo, olhou para o céu e disse, ‘Senhor, não me dê essa titica, eu realmente estou perdido.’

Todo mundo realmente está perdido. Poucos encontraram suas casas. Mas a sua peregrinação em busca de sua casa não deve ser séria, nem triste, nem pesada; ela deve ser cheia de risos, canções e danças. Se você puder encontrar a sua casa dançando e rindo, essa é a verdadeira busca. Com tristeza e seriedade é provável que você encontre algum cemitério, não a sua casa. Nós precisamos de pessoas que sejam buscadoras, mas não sérias. Esse tipo de busca, com seriedade e tristeza, não leva ninguém a lugar algum. “                          

Texto extraído: OSHO – The Invitation – Cap. 18

Referencia

oshobrasil.com.br/principal.htm

www.osho.com/pt